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Harpia retornou à vida livre após viver 12 anos em um viveiro

Editoria: Vininha F. Carvalho 20/08/2009

No dia 18/8, por volta das 13h, retornou ao seu hábitat a primeira harpia do mundo a ser reintroduzida na natureza após viver 12 anos em um viveiro construído especialmente para ela, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Estação Veracel, em Porto Seguro, BA.

Batizada como Pakâyhierú (pássaro livre em patxohã), a ave alçou voo seis minutos depois que a caixa que a transportava foi aberta.

“Estou feliz porque ela alçou voo”, disse, emocionado, Alexandro Ribeiro Dias, da Equilíbrio Proteção Florestal, empresa parceira no Projeto Harpia na Mata Atlântica. Dias teve o privilégio de abrir a caixa junto com Lígia Ilg, do Ibama. Durante seis anos, Dias foi o único responsável pelo trato e pela alimentação da harpia.

A soltura, além de representar o retorno à liberdade desse importante bioindicador de equilíbrio ambiental, é um importante marco da pesquisa ambiental no Brasil e no mundo, pois pela primeira vez será possível que uma fêmea deixe descendentes na Mata Atlântica após ter sido cativa por longo tempo.

A harpia solta se tornou também a segunda harpia adulta a ser monitorada via satélite no Brasil. O equipamento foi instalado no dia 16, pelo pesquisador José Eduardo Mantovani, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para avaliar o impacto do aparelho na ave, há um ano ela recebeu uma mochila com peso igual ao do radiotransmissor.

De acordo com a pesquisadora Tânia Margarete Sanaiotti, do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (Inpa) e coordenadora do Projeto Harpia na Mata Atlântica, a imitação do radiotransmissor foi instalada há um ano, para que a ave se adaptasse ao peso do radiotransmissor (125 gramas) e para avaliar possíveis danos.

“A mochila que carrega o radiotransmissor não causou danos à ave. Isso nunca tinha sido avaliado por nenhum pesquisador no mundo”, comemorou Tânia.

No domingo, dia 16, Tânia se uniu aos pesquisadores Eduardo Pio Mendes de Carvalho Filho, da SOS Falconiformes, Jorge Lisboa, da Abfpar, e ao tratador da ave, todos parceiros no Projeto Harpia na Mata Atlântica, para fazer a última avaliação antes da soltura.

Com esse propósito, os pesquisadores resgataram a ave de dentro do viveiro gigante no qual ela vivia desde 1999. Foram mais de quatro horas de esforços até que a harpia fosse finalmente capturada, com a ajuda de uma rede. Todos os cuidados necessários foram tomados, para que a ave não se machucasse na reta final do projeto de soltura.

Após o resgate, a harpia, uma fêmea da espécie, foi pesada e medida, quando apresentou 6,2 quilos e 2,05 metros de envergadura. A medida foi considerada ideal pelos pesquisadores para um animal selvagem do topo de cadeia alimentar.

Soltura:

A ave foi reintroduzida na natureza em uma Área de Alto Valor de Conservação da Veracel, próximo ao Parque Nacional do Pau-Brasil, um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica do extremo sul da Bahia. Nos próximos 15 dias, a ave vai ser monitorada em campo, para garantir que tenha se adaptado à vida livre. O animal será monitorado via satélite pelos próximos três anos.

A Área de Alto Valor de Conservação onde foi realizada a soltura tem 552,8 hectares, dos quais 471,3 hectares são de floresta ombrófila densa em estágio avançado de regeneração; 78,5 hectares de floresta em estágio médio de regeneração; e 2,9 hectares em estágio inicial.

Nessa área, foram registradas 84 espécies da fauna local, das quais nove endêmicas da Mata Atlântica, com algumas ameaçadas de extinção, como o patinho-gigante (Platyrinchus leucoryphus) e o fruxu-baiano (Neopelma aurifrons).

De acordo com Tânia, a área foi escolhida por se tratar de uma área de mata nativa contígua ao parque e a cerca de dois quilômetros da fazenda onde a ave foi resgatada em 1997.

A harpia foi entregue pelos proprietários da Fazenda Lembrança, os irmãos Lembranci, e da Fazenda Itaipe, Eloísio Sabadini, que a encontraram bastante debilitada, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Os fiscais levaram a ave para a Estação Veracel, onde desde 2004 ela era objeto de estudos e esforços de uma equipe de pesquisadores, para reintegrá-la à natureza. Esse trabalho recebeu o nome de Projeto Harpia na Mata Atlântica.

Decisão pela soltura;

A resolução foi tomada em 2004, quando a pesquisadora, que já desenvolvia o Projeto Gavião-Real, na Amazônia, foi convidada a avaliar a harpia que era mantida em cativeiro, após ser apreendida pelo Ibama.

“Avaliei que se tratava de uma ave adulta no momento da captura, que já tinha aprendido a sobreviver sozinha nas matas. Com certeza, ela não perdeu esse instinto selvagem”, acredita a pesquisadora.

Além de todo o trabalho desenvolvido para a reabilitação da harpia em seu hábitat, o Projeto Harpia na Mata Atlântica fez a avaliação das matas existentes na região, para ter a garantia de que a ave encontraria as condições necessárias de sobrevivência. O registro da existência de outras harpias de vida livre nas áreas monitoradas foi primordial para a soltura.

O Projeto Harpia na Mata Atlântica é financiado pela Veracel Celulose S.A. e desenvolvido de forma integrada pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ibama, Associação Brasileira de Falcoeiros e Preservação de Aves de Rapina (Abfpar), SOS Falconiformes, Crax e RPPN Estação Veracel.

Estação Veracel:

A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Estação Veracel foi criada há dez anos. São 6.069 hectares de mata nativa preservados, entre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, na Bahia. A área foi reconhecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como RPPN, ou seja, uma área particular perpetuada com o objetivo de conservar a biodiversidade e promover a educação ambiental.

Além de ser uma das maiores reservas particulares de Mata Atlântica do Brasil, segundo o governo federal, a Estação Veracel foi considerada pelo Conselho de Manejo Florestal FSC (Forest Stewardship Council) uma área de alto valor de conservação, por abrigar expressiva reserva de Mata Atlântica, com proteção a fontes de água e por ser hábitat de diversas espécies de animais e vegetais endêmicos e/ou ameaçados de extinção. Todas essas características também garantiram à reserva o reconhecimento como Sítio do Patrimônio Mundial Natural, conferido pela Unesco

Até o momento, já foram catalogadas na Estação Veracel 445 espécies de animais vertebrados, das quais 37 ameaçadas de extinção e 54 endêmicas da Mata Atlântica do sul da Bahia. Na área, já foram vistos grandes mamíferos, como onça-parda (Puma concolor), jaguatirica (Leopardus pardalis), veado-mateiro (Mazama gouazoubira) e anta (Tapirus terrestris). Além de aves como a harpia (maior ave de rapina das Américas), o macuco (Tinamus solitarius), o beija-flor balança-rabo-canela (Glaucis dorhnii) e o papagaio chauá (Amazona rhodocorytha), espécie ameaçada de extinção.

A diversidade arbórea também é grande na reserva, que se destaca entre as 20 áreas de maior número de espécies de árvores do mundo. São 308 espécies, incluindo exemplares centenários de pau-brasil (Caesalpinia echinata), jacarandá (Dalbergia nigra), pequi-preto (Caryocar edule Cassaretoo) e jatobá (Hymenaea SP).

Além da RPPN Estação Veracel, hoje a Veracel possui um total de 3.519,5 hectares de áreas inseridas na Mata Atlântica, reconhecidas como Áreas de Área de Alto Valor de Conservação (AAVC), entre as quais a fazenda onde foi solta a harpia. São as principais características de uma AAVC: reunir concentração de biodiversidade, conter ecossistemas raros ou ameaçados de extinção e prestar serviços ambientais às comunidades.



Fonte: Eduarda Toralles